terça-feira, 2 de agosto de 2011

Ministério Público reconhece educadora infantil como professora da educação básica

Compas,
Vejam o parecer completo do Ministério Público em resposta á denúncia feita pelas meninas da UMEI Alaíde Lisboa e Carlos Prates. Nele há o reconhecimento dos mesmos direitos, incluindo tratamento, política salarial, remuneração, gratificações e aposentadoria. Por isso, a recomendação é de revogação dos dispositivos contrários à unificação da carreira. 

PROMOTORIA DE JUSTIÇA ESPECIALIZADA NA DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO


Inquérito Civil Público  0024.10.002.972-7

Assunto: Situação dos ocupantes do cargo de Educador Infantil no âmbito do Município de Belo Horizonte.

RECOMENDAÇÃO

Considerando a existência de apuração, em curso nesta Promotoria de Justiça, aberta para examinar a situação fático-jurídico dos ocupantes do cargo de Educador Infantil.

Considerando o teor dos incisos I e IV, do artigo 208, da Constituição Federal, que estabelece como dever do Estado a garantia de educação básica a partir de 4 (quatro) anos e de educação infantil, em creche e pré-escola, para crianças até 5 (cinco) anos.

Considerando a previsão contida no § 2º, do mesmo dispositivo[1], reforçando-se a concepção de importância fundamental da educação básica e gratuita, desde a primeira idade.

Considerando a nova redação dada ao § 2º, do artigo 67, da Lei 9394/96, pela Lei 11.301/06, fazendo-se constar que para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimentos de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidades escolares de coordenação e assessoramento pedagógico.

Considerando, que, desde a edição do Plano Nacional de Educação[2] (Lei 10.172/01), as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação valeram-se do seguinte fundamento: Pesquisas sobre desenvolvimento humano, formação da personalidade, construção da inteligência e aprendizagem nos primeiros anos de vida apontam para a importância e a necessidade do trabalho educacional nesta faixa etária. Da mesma forma, as pesquisas sobre produção das culturas infantis, história da infância brasileira e pedagogia da infância, realizadas nos últimos anos, demonstram a amplitude e a complexidade desse conhecimento. Novas temáticas provenientes do convívio da criança, sujeito de direitos, com seus pares, com crianças de outras idades e com adultos, profissionais distintos da família, apontam para outras áreas de investigação. Neste contexto, são reconhecidos a identidade e o papel dos profissionais da Educação Infantil, cuja atuação complementa o papel da família. A prática dos profissionais da Educação Infantil, aliada à pesquisa, vem construindo um conjunto de experiências capazes de sustentar um projeto pedagógico que atenda à especificidade da formação humana nessa fase da vida. Grifado.

Considerando, expressamente, as diretrizes daquela Política Nacional de Educação, a saber:
As professoras e professores e os outros profissionais que atuam na Educação Infantil exercem um papel socioeducativo, devendo ser qualificados especialmente para o desempenho de suas funções com as crianças de 0 a 6 anos.
A formação inicial e continuada das professoras e professores de Educação Infantil são direito e devem ser asseguradas a todos pelos sistemas de ensino com a inclusão nos planos de cargos e salários do magistério.
Os sistemas de ensino devem assegurar a valorização de funcionários não-docentes que atuam nas instituições de Educação Infantil, promovendo sua participação em programas de formação inicial e continuada (Entende-se por não-docentes todos os funcionários da educação que não atuam em salas de atividades com as crianças).

Considerando ter sido obrigação do Município, na execução do Plano Nacional de Educação, dentre outras, a formação continuada dos professores em exercício.

Considerando, ainda, a Lei de Diretrizes Básicas da Educação, de número 9.394/96, que, em seu artigo 67, preconiza que os sistemas de educação deverão assegurar a valorização dos profissionais da educação em seus estatutos e planos de carreira para o magistério público: admissão somente por meio de concurso público de provas e títulos; formação continuada com concessão de licença remunerada; piso salarial; progressão funcional com base na titulação ou habilitação e na avaliação de desempenho; tempo destinado para estudos, planejamento e avaliação, incluídos na carga horária do professor e condições adequadas de trabalho.

Considerando que, no art. 62, da LDB, é admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Considerando o § 2º, do art. 2º, da Lei 11.738/08[3].

Considerando que o Ministério da Educação, através de seu Conselho Nacional de Educação, no julgamento do processo 23001.000040/2011-16, que tratou sobre a situação das recreadoras de creche, concluiu que é legal a transposição para o quadro do magistério e o enquadramento dos servidores dos cargos de recreador de creche (e, por analogia, dos monitores, assistentes de desenvolvimento infantil e outros assemelhados), inclusive com a redenominação do cargo para professor, uma vez que os servidores desempenhem funções docentes, tenham se submetido a concurso público para ingresso, possuam os mesmos requisitos para os novos cargos exigidos para o exercício do magistério, requisitos esses já exigidos para o seu ingresso no funcionalismo público e verificada a identidade entre as funções e remuneração dos atuais cargos com as dos novos.

Considerando proposta de resolução, no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público, que se considera, para fins de reconhecimento da docência, as atividades de coordenação de ensino ou de curso, para os efeitos do parágrafo anterior, as de natureza formadora e transformadora, como o acompanhamento e a promoção do projeto pedagógico da instituição, a formação e orientação de professores, a articulação entre corpo docente e discente para a formação de um ambiente acadêmico participativo, a orientação de acadêmicos, a promoção e orientação da pesquisa e outras ações relacionadas diretamente com o processo de ensino e aprendizagem.

Considerando que a Lei 11.738, de 2008, que estabelece um piso salarial para profissionais do magistério público da educação básica, no § 2º, de seu artigo 2º, dispõe que por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional.

Considerando que, no âmbito da rede municipal de ensino e, nos termos da Legislação Municipal, o cargo de Educador Infantil é distinto da carreira de Professor, não lhe sendo incorporadas as vantagens próprias e exclusivas desta.

Considerando, contudo, que as atribuições exercidas pelo Educado Infantil são típicas da carreira de Professor, sendo, portanto, cargos afins nos termos das normas referidas.

Considerando que, em várias situações administrativas, o Município de Belo Horizonte trata os Educadores Infantis como Professores, apesar de não o reconhecerem como tal.

Considerando que o Município de Belo Horizonte, em cumprimento à Política Nacional de Educação, dá ênfase ao processo de formação continuada de Professores e Educadores Infantis, indistintamente.

Considerando que Educadores Infantis são designados para substituição de Professores e vice-versa.

Considerando que o Município de Belo Horizonte admite a cumulação remunerada, desde que haja a compatibilidade de horário, de dois cargos de Educador Infantil, conforme regra de exceção prevista no inciso XVI, artigo 37, da Constituição Federal, exclusiva para Médicos e Professores.

Considerando que os Educadores Infantis exercem, inegavelmente,  atividades de planejamento (inclusive pedagógico), orientação, suporte pedagógico, coordenação, iniciação ao processo de alfabetização e outras.

Considerando que, embora, recentemente, o Município de Belo Horizonte tenha exigido formação superior nos concursos para Professor, a qualificação para exercício de tal cargo é idêntica ao de Educador Infantil, havendo número significativo de profissionais de magistério, nas duas funções, com formação equivalente.

Considerando que o Município de Belo Horizonte, inclusive, através de intensa campanha publicitária, informa aos cidadãos que o acesso à escola e alfabetização tem início já nas primeiras idades (ciclo básico).

Considerando que o estado democrático de direito se orienta pelo princípio da boa fé entre as partes.

Considerando que a Administração Pública possui o poder-dever da autotutela, podendo corrigir atos administrativos ilegais ou deixar de praticá-los quando eivados de inconstitucionalidade, independentemente de qualquer pronunciamento judicial prévio[4].

Considerando a autoridade competente para encaminhamento e solução da presente demanda ser Sua Excelência, Senhor Prefeito Municipal.

RESOLVE:

RECOMENDAR ao Município de Belo Horizonte, na pessoa de Sua Excelência, Senhor Prefeito Municipal Márcio de Araújo Lacerda, que encaminhe projeto de lei à Câmara Municipal, no sentido de revogar os dispositivos normativos anteriores, relativos ao cargo de Educador Infantil e, notadamente, equiparar o status profissional e jurídico de Educador Infantil ao de Professor, nos níveis iniciais da carreira (educação infantil básica), assegurando-lhes os mesmos direitos para todos os fins, inclusive de tratamento e política salarial, remuneração, gratificações e aposentadoria.


Encaminhe-se, ainda, cópia a Suas Excelências, Senhor Procurador-Geral do Município e Senhora Secretária Municipal de Educação.


Aguarde-se resposta por 60 (sessenta) dias. Findo tal prazo, não havendo manifestação, serão adotadas medidas judiciais pelo Ministério Público.

Após, voltem conclusos os autos.

Cumpra-se.


                                   Belo Horizonte, 07 de julho de 2011.




EDUARDO NEPOMUCENO DE SOUSA      THAÍS LEITE GARCIA DE PINHO
             Promotor de Justiça                                               Promotora de Justiça


JOÃO MEDEIROS SILVA NETO                       LEONARDO DUQUE BARBABELA
            Promotor de Justiça                                                Promotor de Justiça

 

MARIA ELMIRA E. AMARAL DICK                  ELISABETH CRISTINA R. VILLELA

            Promotora de Justiça                                                          Promotora de Justiça


PATRÍCIA MEDINA VAROTTO DE ALMEIDA
Promotora de Justiça



[1] § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente
[2] É importante destacar que o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001) estabelece a extinção das classes de alfabetização: “Extinguir as classes de alfabetização incorporando imediatamente as crianças no Ensino Fundamental e matricular, também, naquele nível, todas as crianças de 7 anos ou mais que se encontrem na Educação Infantil” (II A 1 1.3 – meta 15).

[3] § 2o  Por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional.


RMS 7864 / GB – GUANABARA RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Relator(a):  Min. BARROS BARRETO Julgamento:  28/06/1961           Órgão Julgador:  TRIBUNAL PLENO
Publicação DJ 17-05-1962  PP-01017      EMENT    VOL-00499-01  PP-00290
RTJ      VOL-00022-01  PP-00074
Ementa

NÃO FOI ILEGAL O ATO, QUE ELIMINOU DO CONCURSO PARA JUIZ O REQUERENTE.
Indexação
LEGALIDADE, ATO, ELIMINAÇÃO, CANDIDATO, INSCRIÇÃO, CONCURSO PÚBLICO, JUIZ SUBSTITUTO, ACEITAÇÃO, REGULAMENTO, ESTABELECIMENTO, INVESTIGAÇÃO, VIDA PREGRESSA.
VOTAÇÃO: UNÂNIME. RESULTADO: IMPROVIDO.
REC.4PP.
  ANO: 1962  AUD:15-05-1962.

[4] Nesse sentido: BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização, Renovar. BARROSO, Luís Roberto. Norma incompatível com a Constituição. Não aplicação pelo Poder Executivo, RDA 181/182. REALE, Miguel, RTJ 96/499 e outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário